1. Problematização
Segundo
os autores Assis e Jesus (sd), o acesso aos serviços de saúde tem sido objecto
de análise na literatura internacional, principalmente devido a crise mundial
da última década, acirrando a existência de barreiras aos usuários como e o
caso de filas para a marcação de consultas, atendimento e a escassez de
estratégias para a sua superação.
Os
autores ressaltam ainda que a acessibilidade aos serviços de saúde tem relação
com as condições de vida, a nutrição, habitação, o poder aquisitivo, e a
educação, extrapola a dimensão geográfica e abrange o aspecto cultural,
envolvendo normas, técnicas adequadas aos hábitos da comunidade e o aspecto
funcional que responde pela adequação da oferta dos serviços e a sua qualidade
as pessoas que recorrem ao sistema.
Entretanto,
em Moçambique a adesão aos serviços de saúde pela comunidade constitui um
desafio ainda de difícil solução, ocupando, portanto, a primeira prioridade do
sistema nacional de saúde como papel preponderante a sensibilização da
comunidade a aderir os serviços de saúde disponíveis com vista a reduzir as
mortalidades por doenças que facilmente podem ser controladas.
Na
província de Inhambane, particularmente no distrito de Zavala, e a área
geográfica que esse fenómeno verifica-se com maior índice, onde a comunidade
usa os serviços de saúde como alternativa ao fracasso da medicina tradicional,
facto esse que leva a um número elevado de internamentos nos Hospitais, onde
nos últimos 9 Meses do ano corrente (2014) foram registados um total de 344
internamentos por principais patologias como a Malária, HIV/SIDA, Tuberculose e
diarreia, dos quais 247 resultou em alta e 47 morte e com uma taxa de
letalidade de 17.2%, com maior número de casos atribuídos ao HIV/SIDA que
contribuiu com cerca de 70.3% dos casos[1].
2.
Revisão
bibliográfica
Moçambique
tem um compromisso político e constitucional de garantir que todo o seu povo
tenha acesso universal a cuidados de saúde e que ninguém fica empobrecido pelo
binómio saúde e doença.
Dadas
as diferenças sociais na população por regiões, idade, género, diferenças na
riqueza etc. o alcance do acesso universal requer um nível de atenção para a
equidade e uma distribuição de recursos que responda às necessidades em saúde,
e que eleve as oportunidades para que haja saúde para todos. Embora Moçambique
tenha ainda um nível elevado de pobreza histórica e de subdesenvolvimento, teve
também uma década de progresso macroeconómico, tendo alcançado novas oportunidades
para concretizar o objectivo de equidade.[2]
Globalmente,
os tipos de admissão mais frequentes para os doentes que morrem durante o
internamento são “admissão urgente dum serviço de urgência” (58%) e “transferência
doutra unidade sanitária” (22%). O padrão de distribuição do tipo de
admissão é substancialmente parecido entre os vários níveis de assistência
hospitalar (II, II e IV). 43% dos óbitos aconteceram nas primeiras 48 horas de
internamento (variação entre hospitais: 29% - 58%). Na maioria dos hospitais, a
mortalidade nas primeiras 48 horas é maior nos departamentos/serviços de
urgência, mas a diferença entre urgência e serviços normais é muito pequena em
alguns hospitais (Hospital Central (HC) da Beira, Hospitais Provinciais (HP) de
Chimoio e Inhambane).[3]
Todavia,
o acesso universal a esses cuidados de saúde ainda preocupa as entidades
governamentais, com principal enfoque nas áreas periurbanas e nos campos que a
adesão aos serviços médicos considera-se segunda via após o fracasso da medicina
tradicional, influenciando significativamente no fracasso da terapia prescrita
pelos profissionais de saúde devido ao estado de enfermidade que o paciente se
apresenta nas unidades hospitalares.
2.1 Resultados do trabalho de
campo
Neste
subtítulo do projecto, propõe-se a apresentar de forma sincrética os dados
obtidos durante o processo de inquérito, tanto nas comunidades (de Canda, Muane
e Cala), dos enfermes ou acompanhantes internados nas enfermarias assim como
dos profissionais afectos nas enfermarias, inqueridos durante o processo de
colecta de dados.
Das
comunidades (Canda, Cala e Muane)
No
trabalho realizado nos três campos acima referenciados, de forma geral os dados
colhidos dos três campos não diferem de um para ou outro, tendo se constatado o
seguinte: das 115 pessoas de ambos sexos inqueridas nos três povoados, 89 delas
dizem ter plena consciência da importância de recorrer aos serviços de saúde
para prestação de cuidados de saúde, afirmam a existência de Hospitais nas suas
localidades, que entretanto, factores como a distância que os separa da casa a
esses hospitais e maior, a falta de transporte, e por mais que exista um, as
vias de acesso não permitem a deslocação ate aos hospitais.
No
mesmo universo, 73 dos inqueridos disseram não priorizar os serviços de saúde
pois as suas culturas e crenças religiosas não permitirem como e o caso da
seguinte citação de uma crente de testemunhas de Jeová ʽʽmeu filho, de que me adianta sair daqui onde estou percorrer longas
distancias para o hospital para no final me darem comprimidos e não pode-los
tomar porque a minha religião não permite, que nós vivemos do espírito do senhor
e através das ervas que nascemos e encontramos e vamos morrer deixarˮ. E 51
pessoas dizem ser mesma coisa ir ao hospital ou a curandeiro, porque no final
gasta-se dinheiro em ambos ̏ para chegar
ao hospital tenho que gastar muito dinheiro, chego lá fico horas a espera na
bicha, quando sou atendido dizem que não tem comprimidos, vai comprar na
farmácia privada, achas que terei dinheiro para tudo isso? Que alias, quando
vou a ancião gasto praticamente pouco ̋ palavras de um inquerido em Canda-Chibembe.
Para as questões abertas, como a questão
13, 59.0% dos inqueridos disse que tinham que serem abertas novas vias de
acesso assim como a alocação dos próprios meios para facilitar a circulação e o
resto (41.0%) disse que o Governo tinha que expandir a rede sanitária.
Com vista a ter a percentagem das repostas
nucleares do inquérito, segue-se o seguinte gráfico:
Gráfico1. Representação gráfica percentual dos principais motivos que levam a
comunidade a procurar os serviços de saúde num estado avançado da enfermidade (dados
colhidos na comunidade).
Comentários:
como se pode notar no gráfico, as longas distâncias de casa para os hospitais,
a falta de vias e meios de acesso, longo tempo de espera nas bichas, a falta de
dinheiro para comprar medicamentos nas farmácias privadas e as questões
culturais incluindo as crenças, constituem os factores fundamentais que fazem
com a comunidade procure os serviços de saúde já num estado avançado da
enfermidade, devendo-se portanto, trabalhar nesses aspectos para que o problema
seja solucionado.
Dos
doentes internados
Nos
dados colhidos dos internados e acompanhantes (para os que mostravam dificuldades
na comunicação) no Hospital Distrital de Quissico, constatou-se que, num total
de 13 internados nas enfermarias padecendo de diferentes patologias, incluindo
pacientes em convalescença pós cirurgia, obteve-se os seguintes resultados: 5
pacientes alegaram residirem distante do Hospital, igual número alegou a
escassez de meios de acesso e o resto disse que teria vindo ao Hospital antes
de a doença se agravar, que portanto, os medicamentos dados não surtiam afeito
e pelo contrario agravava e que já esta ai (internado) após voltar inúmeras
vezes ao hospital “ vim no hospital no
dia 7 de Outubro, estava a sentir muito frio e dores do meu corpo todo, fiz
analises de malária e não acusou nada, o enfermeiro deu-me paracetamol e outros
comprimidos que não conheço nome deles, fui tomar mas não melhorou e quando
voltei duas semanas depois já pior fiquei internado, agora estou mais ou menos
e em breve terei alta” depoimento de um paciente internado na medicina.
Grafico2. Distribuição percentual das razões que
levam a procura dos serviços de saúde já num estado avançado da doença e
consequente internamentos de pacientes no HDQ (dados colhidos dos internados)
Comentários:
não obstante das causas
constatadas no inquérito feito na comunidade, os nossos entrevistados que se
encontravam internados no Hospital Distrital de Quissico, disseram igualmente
que as longas distâncias que separam suas residências dos postos sanitários, a
falta de meios circulantes para viabilizar o processo de transporte são na
maioria as causas que fazem com que não possam ir com antecedência ao Hospital,
ficando em casa na perspectiva de melhor espontaneamente ou com suporte de
remédios tradicionais que anciões da zona os oferecem. Entretanto, percentagem
significativa (23.1) de todo universo disse que vai ao hospital ainda no início
da patologia, contudo, quando vão tomar os fármacos prescritos não melhoram, o
que leva com que quando regressam noutro dia já pior leve ao internamento.
Dos profissionais de saúde (enfermarias)
A pesquisa procurou perceber junto dos profissionais
afectos nos sectores de internamentos alguns dados que pudessem dar suporte as
hipóteses descritas.
Nesse âmbito, o responsável pela enfermaria disse-nos
que, em média mensal as duas medicinas (Homem e Mulher), recebem cerca de 25
pacientes com diagnostico de diferentes patologias como a Malária, Tuberculose
e o HIV/SIDA na sua maioria do sexo feminino com um estado de saúde razoável,
que portanto, os poucos homens internados aparecem num estado muito critico da
enfermidade, como ilustra o gráfico abaixo:
Gráfico3. Estado
de chegada dos pacientes nas enfermarias para internamento por sexo
Comentários:
Num universo de 25
pacientes que as enfermarias admitem por mês, cerca de 28% é do sexo Masculino,
desse total, 20% chega num estado extremamente avançado da enfermidade e o
remanescente razoável. Em contra partida, 72% constitui o sexo feminino do
qual, 57% chega num estado razoável e o resto mau da enfermidade.
Dos profissionais de saúde (Farmácia
Pública)
Relativamente a disponibilidade dos fármacos nas
farmácias públicas, o nosso entrevistado foi unânime as citações dos inqueridos
na comunidade “para chegar ao hospital
tenho que gastar muito dinheiro, chego lá fico horas a espera na bicha, quando
sou atendido dizem que não tem comprimidos, vai comprar na farmácia privada,
achas que terei dinheiro para tudo isso”? (relembrando
uma citação de um entrevistado em Canda-Chibembe), ao dizer que “ de facto nós não temos tido todos tipos de
fármacos para suprir a necessidades dos utentes”, questionado sobre os
procedimentos face a essa situação respondeu “ ai o paciente deve procurar os medicamentos nas farmácias privadas,
não tem como…”. O procurar que se refere, é de o paciente desembolsar
fundos próprios para a compra. Esse é um dos factos que faz com que os utentes
sintam receio de se aproximar aos Hospitais para marcação de consultas por
temer a tal situação, incluindo os fundos que irão gastar no processo de
deslocamento.
3. Conclusão
Após meses de trabalho na pesquisa que procurou
compreender as causas que fazem com que a comunidade do Distrito de Zavala
procure os serviços de saúde já num estado avançado da enfermidade,
constituindo o objectivo geral da pesquisa, sob guião de vários específicos, o
autor foi ao campo em busca dos dados que pudessem responder a questão da
pesquisa e igualmente satisfazer ou não as hipóteses formuladas.
A pesquisa tinha como alvo os membros da comunidade (de
Canda, Cala e Muane) que tivessem pelo menos 25 anos de idade, os doentes
internados no HDQ assim como os profissionais de saúde que lidam dia-a-dia com
os mesmos com o propósito de saber “O que influência a
comunidade do Distrito de Zavala a procurar os serviços de saúde já num estado
avançado da doença”. Feito o inquérito a todos níveis
acima descritos, concluiu-se que a comunidade do Distrito de Zavala tem em
parte o conhecimento de recorrer aos serviços de saúde para o tratamento dos
seus problemas de saúde. Que entretanto, os factores sócio-culturais, as longas
horas de esperas nas bichas, a escassez de medicamentos nas farmácias públicas,
as longas distâncias que os utentes percorrem das suas residências para
alcançarem os serviços de saúde, associado a falta de meios de transporte e
vias de acesso degradadas ou inexistentes, são factores que fazem com que ela
(a comunidade) não procure atempadamente os serviços de saúde, ou seja, ainda
na fase inicial da patologia. Estes resultados alcançados, satisfazem as
hipóteses que foram pelo projecto delineados e consubstanciam-se igualmente a
questão da problematização.
Com
os motivos já aflorados, medidas correctivas facilmente podem ser executadas
pelas entidades competentes em cada área de modo a mitigar a situação em causa,
contribuído deste modo no melhoramento do estado de saúde da comunidade e
elevar as coberturas em diferentes categorias de prestação de serviços
comunitários.
[1] Fonte: relatório de 9
meses do Hospital Distrital de Quissico (Modulo Básico)
[2]http://www.equinetafrica.org/bibl/docs/Moz%20EW%20Port%20Oct2013.pdf
[3]http://www.jembi.org/wp-content/uploads/2013/01/Relatorio-analise-completa-SIS-ROH-2009-2011_AVS_17-Dez_13_RP.pdf
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