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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

O acesso aos serviços de saúde ainda é desafio


       1. Problematização
Segundo os autores Assis e Jesus (sd), o acesso aos serviços de saúde tem sido objecto de análise na literatura internacional, principalmente devido a crise mundial da última década, acirrando a existência de barreiras aos usuários como e o caso de filas para a marcação de consultas, atendimento e a escassez de estratégias para a sua superação.
Os autores ressaltam ainda que a acessibilidade aos serviços de saúde tem relação com as condições de vida, a nutrição, habitação, o poder aquisitivo, e a educação, extrapola a dimensão geográfica e abrange o aspecto cultural, envolvendo normas, técnicas adequadas aos hábitos da comunidade e o aspecto funcional que responde pela adequação da oferta dos serviços e a sua qualidade as pessoas que recorrem ao sistema.        
Entretanto, em Moçambique a adesão aos serviços de saúde pela comunidade constitui um desafio ainda de difícil solução, ocupando, portanto, a primeira prioridade do sistema nacional de saúde como papel preponderante a sensibilização da comunidade a aderir os serviços de saúde disponíveis com vista a reduzir as mortalidades por doenças que facilmente podem ser controladas.
Na província de Inhambane, particularmente no distrito de Zavala, e a área geográfica que esse fenómeno verifica-se com maior índice, onde a comunidade usa os serviços de saúde como alternativa ao fracasso da medicina tradicional, facto esse que leva a um número elevado de internamentos nos Hospitais, onde nos últimos 9 Meses do ano corrente (2014) foram registados um total de 344 internamentos por principais patologias como a Malária, HIV/SIDA, Tuberculose e diarreia, dos quais 247 resultou em alta e 47 morte e com uma taxa de letalidade de 17.2%, com maior número de casos atribuídos ao HIV/SIDA que contribuiu com cerca de 70.3% dos casos[1].


2.      Revisão bibliográfica
Moçambique tem um compromisso político e constitucional de garantir que todo o seu povo tenha acesso universal a cuidados de saúde e que ninguém fica empobrecido pelo binómio saúde e doença.
Dadas as diferenças sociais na população por regiões, idade, género, diferenças na riqueza etc. o alcance do acesso universal requer um nível de atenção para a equidade e uma distribuição de recursos que responda às necessidades em saúde, e que eleve as oportunidades para que haja saúde para todos. Embora Moçambique tenha ainda um nível elevado de pobreza histórica e de subdesenvolvimento, teve também uma década de progresso macroeconómico, tendo alcançado novas oportunidades para concretizar o objectivo de equidade.[2]
Globalmente, os tipos de admissão mais frequentes para os doentes que morrem durante o internamento são “admissão urgente dum serviço de urgência” (58%) e “transferência doutra unidade sanitária” (22%). O padrão de distribuição do tipo de admissão é substancialmente parecido entre os vários níveis de assistência hospitalar (II, II e IV). 43% dos óbitos aconteceram nas primeiras 48 horas de internamento (variação entre hospitais: 29% - 58%). Na maioria dos hospitais, a mortalidade nas primeiras 48 horas é maior nos departamentos/serviços de urgência, mas a diferença entre urgência e serviços normais é muito pequena em alguns hospitais (Hospital Central (HC) da Beira, Hospitais Provinciais (HP) de Chimoio e Inhambane).[3]
Todavia, o acesso universal a esses cuidados de saúde ainda preocupa as entidades governamentais, com principal enfoque nas áreas periurbanas e nos campos que a adesão aos serviços médicos considera-se segunda via após o fracasso da medicina tradicional, influenciando significativamente no fracasso da terapia prescrita pelos profissionais de saúde devido ao estado de enfermidade que o paciente se apresenta nas unidades hospitalares.
  
2.1  Resultados do trabalho de campo
Neste subtítulo do projecto, propõe-se a apresentar de forma sincrética os dados obtidos durante o processo de inquérito, tanto nas comunidades (de Canda, Muane e Cala), dos enfermes ou acompanhantes internados nas enfermarias assim como dos profissionais afectos nas enfermarias, inqueridos durante o processo de colecta de dados.


Das comunidades (Canda, Cala e Muane)
No trabalho realizado nos três campos acima referenciados, de forma geral os dados colhidos dos três campos não diferem de um para ou outro, tendo se constatado o seguinte: das 115 pessoas de ambos sexos inqueridas nos três povoados, 89 delas dizem ter plena consciência da importância de recorrer aos serviços de saúde para prestação de cuidados de saúde, afirmam a existência de Hospitais nas suas localidades, que entretanto, factores como a distância que os separa da casa a esses hospitais e maior, a falta de transporte, e por mais que exista um, as vias de acesso não permitem a deslocação ate aos hospitais.
No mesmo universo, 73 dos inqueridos disseram não priorizar os serviços de saúde pois as suas culturas e crenças religiosas não permitirem como e o caso da seguinte citação de uma crente de testemunhas de Jeová ʽʽmeu filho, de que me adianta sair daqui onde estou percorrer longas distancias para o hospital para no final me darem comprimidos e não pode-los tomar porque a minha religião não permite, que nós vivemos do espírito do senhor e através das ervas que nascemos e encontramos e vamos morrer deixarˮ. E 51 pessoas dizem ser mesma coisa ir ao hospital ou a curandeiro, porque no final gasta-se dinheiro em ambos ̏ para chegar ao hospital tenho que gastar muito dinheiro, chego lá fico horas a espera na bicha, quando sou atendido dizem que não tem comprimidos, vai comprar na farmácia privada, achas que terei dinheiro para tudo isso? Que alias, quando vou a ancião gasto praticamente pouco ̋  palavras de um inquerido em Canda-Chibembe.

Para as questões abertas, como a questão 13, 59.0% dos inqueridos disse que tinham que serem abertas novas vias de acesso assim como a alocação dos próprios meios para facilitar a circulação e o resto (41.0%) disse que o Governo tinha que expandir a rede sanitária.
Com vista a ter a percentagem das repostas nucleares do inquérito, segue-se o seguinte gráfico:

Gráfico1. Representação gráfica percentual dos principais motivos que levam a comunidade a procurar os serviços de saúde num estado avançado da enfermidade (dados colhidos na comunidade).

Comentários: como se pode notar no gráfico, as longas distâncias de casa para os hospitais, a falta de vias e meios de acesso, longo tempo de espera nas bichas, a falta de dinheiro para comprar medicamentos nas farmácias privadas e as questões culturais incluindo as crenças, constituem os factores fundamentais que fazem com a comunidade procure os serviços de saúde já num estado avançado da enfermidade, devendo-se portanto, trabalhar nesses aspectos para que o problema seja solucionado.


Dos doentes internados
Nos dados colhidos dos internados e acompanhantes (para os que mostravam dificuldades na comunicação) no Hospital Distrital de Quissico, constatou-se que, num total de 13 internados nas enfermarias padecendo de diferentes patologias, incluindo pacientes em convalescença pós cirurgia, obteve-se os seguintes resultados: 5 pacientes alegaram residirem distante do Hospital, igual número alegou a escassez de meios de acesso e o resto disse que teria vindo ao Hospital antes de a doença se agravar, que portanto, os medicamentos dados não surtiam afeito e pelo contrario agravava e que já esta ai (internado) após voltar inúmeras vezes ao hospital “ vim no hospital no dia 7 de Outubro, estava a sentir muito frio e dores do meu corpo todo, fiz analises de malária e não acusou nada, o enfermeiro deu-me paracetamol e outros comprimidos que não conheço nome deles, fui tomar mas não melhorou e quando voltei duas semanas depois já pior fiquei internado, agora estou mais ou menos e em breve terei alta” depoimento de um paciente internado na medicina.

Grafico2. Distribuição percentual das razões que levam a procura dos serviços de saúde já num estado avançado da doença e consequente internamentos de pacientes no HDQ (dados colhidos dos internados)

Comentários: não obstante das causas constatadas no inquérito feito na comunidade, os nossos entrevistados que se encontravam internados no Hospital Distrital de Quissico, disseram igualmente que as longas distâncias que separam suas residências dos postos sanitários, a falta de meios circulantes para viabilizar o processo de transporte são na maioria as causas que fazem com que não possam ir com antecedência ao Hospital, ficando em casa na perspectiva de melhor espontaneamente ou com suporte de remédios tradicionais que anciões da zona os oferecem. Entretanto, percentagem significativa (23.1) de todo universo disse que vai ao hospital ainda no início da patologia, contudo, quando vão tomar os fármacos prescritos não melhoram, o que leva com que quando regressam noutro dia já pior leve ao internamento.


Dos profissionais de saúde (enfermarias)
A pesquisa procurou perceber junto dos profissionais afectos nos sectores de internamentos alguns dados que pudessem dar suporte as hipóteses descritas.
Nesse âmbito, o responsável pela enfermaria disse-nos que, em média mensal as duas medicinas (Homem e Mulher), recebem cerca de 25 pacientes com diagnostico de diferentes patologias como a Malária, Tuberculose e o HIV/SIDA na sua maioria do sexo feminino com um estado de saúde razoável, que portanto, os poucos homens internados aparecem num estado muito critico da enfermidade, como ilustra o gráfico abaixo:
Gráfico3. Estado de chegada dos pacientes nas enfermarias para internamento por sexo

Comentários: Num universo de 25 pacientes que as enfermarias admitem por mês, cerca de 28% é do sexo Masculino, desse total, 20% chega num estado extremamente avançado da enfermidade e o remanescente razoável. Em contra partida, 72% constitui o sexo feminino do qual, 57% chega num estado razoável e o resto mau da enfermidade.


Dos profissionais de saúde (Farmácia Pública)
Relativamente a disponibilidade dos fármacos nas farmácias públicas, o nosso entrevistado foi unânime as citações dos inqueridos na comunidade para chegar ao hospital tenho que gastar muito dinheiro, chego lá fico horas a espera na bicha, quando sou atendido dizem que não tem comprimidos, vai comprar na farmácia privada, achas que terei dinheiro para tudo isso”? (relembrando uma citação de um entrevistado em Canda-Chibembe), ao dizer que “ de facto nós não temos tido todos tipos de fármacos para suprir a necessidades dos utentes”, questionado sobre os procedimentos face a essa situação respondeu “ ai o paciente deve procurar os medicamentos nas farmácias privadas, não tem como…”. O procurar que se refere, é de o paciente desembolsar fundos próprios para a compra. Esse é um dos factos que faz com que os utentes sintam receio de se aproximar aos Hospitais para marcação de consultas por temer a tal situação, incluindo os fundos que irão gastar no processo de deslocamento.


3.      Conclusão
Após meses de trabalho na pesquisa que procurou compreender as causas que fazem com que a comunidade do Distrito de Zavala procure os serviços de saúde já num estado avançado da enfermidade, constituindo o objectivo geral da pesquisa, sob guião de vários específicos, o autor foi ao campo em busca dos dados que pudessem responder a questão da pesquisa e igualmente satisfazer ou não as hipóteses formuladas.
A pesquisa tinha como alvo os membros da comunidade (de Canda, Cala e Muane) que tivessem pelo menos 25 anos de idade, os doentes internados no HDQ assim como os profissionais de saúde que lidam dia-a-dia com os mesmos com o propósito de saber O que influência a comunidade do Distrito de Zavala a procurar os serviços de saúde já num estado avançado da doença”. Feito o inquérito a todos níveis acima descritos, concluiu-se que a comunidade do Distrito de Zavala tem em parte o conhecimento de recorrer aos serviços de saúde para o tratamento dos seus problemas de saúde. Que entretanto, os factores sócio-culturais, as longas horas de esperas nas bichas, a escassez de medicamentos nas farmácias públicas, as longas distâncias que os utentes percorrem das suas residências para alcançarem os serviços de saúde, associado a falta de meios de transporte e vias de acesso degradadas ou inexistentes, são factores que fazem com que ela (a comunidade) não procure atempadamente os serviços de saúde, ou seja, ainda na fase inicial da patologia. Estes resultados alcançados, satisfazem as hipóteses que foram pelo projecto delineados e consubstanciam-se igualmente a questão da problematização.
Com os motivos já aflorados, medidas correctivas facilmente podem ser executadas pelas entidades competentes em cada área de modo a mitigar a situação em causa, contribuído deste modo no melhoramento do estado de saúde da comunidade e elevar as coberturas em diferentes categorias de prestação de serviços comunitários.
  



[1] Fonte: relatório de 9 meses do Hospital Distrital de Quissico (Modulo Básico)
[2]http://www.equinetafrica.org/bibl/docs/Moz%20EW%20Port%20Oct2013.pdf
[3]http://www.jembi.org/wp-content/uploads/2013/01/Relatorio-analise-completa-SIS-ROH-2009-2011_AVS_17-Dez_13_RP.pdf

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