- Bom dia. Pode chegar cliente.
- Bom dia. Vi a placa na rua e fiquei curioso. Como funciona seu negócio?
- Meu negócio? Vou te explicar, senhor. Sente-se aqui, por favor. Aí,
não. Essa cadeira ainda está em testes. Sente-se nessa aqui. Isso.
- Então. Quais idéias você vende?
- Olha, eu vendo idéias de todos os tipos. Vou lhe dar alguns exemplos.
Conhece aquela estátua de Malangatana esculpida na praça? Fui eu que vendi a
idéia para o escultor. O presidente do conselho municipal queria uma bela
escultura na praça e nada do que ele sugeria agradou ao presidente.
- Então ele te procurou?
- Sim. O rapaz que entrega as propagandas do meu negócio tem feito muito
bem o seu trabalho. O escultor me disse que já tinha gasto todo seu arsenal de
idéias e já estava saturado do presidente, quando resolveu me procurar, após
receber um panfleto da minha loja.
- E o presidente gostou da sua idéia?
- Sim. Assim que dei as opções das idéias para o escultor ele escolheu
essa. De cara. E adorou! Me pagou com gosto e disse ter certeza que o
presidente iria adorar a idéia. E foi o que aconteceu.
- Muito bom. Mas o quê?
- Outras idéias?
- É. Mas que outras idéias você vendeu?
- Já reparou que de uns tempos para cá não se ouvem mais latidos de
cães? Fui eu quem resolveu esse impasse. Estava havendo uma guerra entre os
moradores que tinham cães e os outros que não suportavam mais os latidos.
Apareceram alguns cães mortos e alguns vizinhos mortos em seguida. Virou caso
de polícia. Foi uma verdadeira guerra.
- Sim. Ouvi falar.
- Então. O presidente já tinha tentado propor uma proibição para cães,
mas não foi bem sucedido. A defesa dos direitos dos animais não deixou passar
essa proposta e o presidente do conselho municipal foi ameaçado de morte.
Depois propôs um local isolado para os cães dormirem à noite, bem longe da
cidade. Também não foi bem sucedido. Os donos queriam eles juntos, além de que
alguns cães serviam para vigiar as casas durante a noite. O presidente ainda
tentou criar uma série de resoluções como doar protectores auriculares para a
população e até construir um grande hotel isolado para quem estava sendo
incomodado. Também não deu certo. A defesa dos direitos dos animais não deixou
passar as propostas e o presidente foi novamente ameaçado de morte.
- Que situação!
- Sim. Então o presidente teve a melhor idéia que poderia ter tido: veio
me procurar.
- E então?
- O presidente quis ouvir todas as idéias e pagou por todas elas. Até
porque as primeiras não eram tão boas assim.
- E qual foi a escolhida?
- O Município doa soníferos para os cães que não são de guarda e os
donos devem dar aos cães toda noite. Caso contrário uma multa é aplicada ao
dono. Para os cães de guarda, que precisam estar em alerta durante à noite, foi
dada a seguinte solução: cortar as cordas vocais do animal. Uma cirurgia
rápida, indolor e segura. Assim os moradores com cães poderiam ter seus amigos
e guardas, sem incomodar aos outros vizinhos.
- Bravo! Bravíssimo! E quanto te pagam?
- Depende da idéia. Quando me passam o que querem eu penso em várias
soluções e, de acordo com a qualidade da idéia, o preço é maior.
- Muito bom. Você conta as idéias e eles escolhem a melhor, cada uma com
um preço.
- Nada disso! Eu escrevo as idéias em papéis diferentes e anoto o preço
de cada uma. Assim, de acordo com meu julgamento, eu ponho os preços nas idéias
e o cliente escolhe qual quiser. Mas só leio a que eles comprarem. Assim não
corro o risco de dizer as idéias e o cliente não pagar. Ninguém come a maçã e
decide depois se vai pagar ou não. Estamos numa cidade cheia de malandros e é
preciso ser mais malandro pra se dar bem.
- É verdade. Mas e se a idéia não agradar.
- Eu vendo as idéias. Se gostar ou não é um risco que se corre. Ali está
o cartaz: não aceitamos devoluções. Porque depois vem um malandro, diz que não
gosta e não paga. Aí você vai ver ele colocando ela em prática. Comigo não!
Quer a idéia? Pague que eu a digo. Senão não tem negócio.
- Está certo. Mas me diga: como tem tantas idéias assim?
- Essa foi uma idéia que tive há onze anos atrás e mudou minha vida. É
claro que é o segredo do meu sucesso e não passaria pra ninguém se eu não
estivesse reformando. Mas não vendo barato.
- Eu pago quanto quiser.
- Então eu quero cinco mil maticais e a sua moto estacionada ali fora.
Mas já sabe. Não aceito devolução. Se não te servir, lamento muito.
- Tudo bem. Aqui está o dinheiro. E a moto é sua.
- Mário!
- Sim senhor.
- Leve a moto para a garagem. Agora ela é minha.
- Sim senhor.
- Bem. Vejamos: quinhentos..., quinhentos..., quinhentos...,
quinhentos..., quinhentos..., quinhentos..., quinhentos..., quinhentos...,
quinhentos e quinhentos Certinho. Tenho que conferir tudo. Como já disse, essa
cidade está cheia de malandros.
- E então?
- Olha. Vou te explicar como funciona: as idéias vêm na cabeça de todos
nós. É como uma onda de rádio em uma frequência definida. Se ficarmos pensando
em um determinado assunto é porque estamos sintonizando em uma determinada
frequência. E todas as idéias daquela frequência, ou seja, daquele assunto, vão
entrar e vamos vislumbrá-las. Aí então vem o segundo passo.
- E qual é o segundo passo?
- É preciso entender muito bem. As idéias passam como ondas e ficam por
pouco tempo. Em seguida saem e dão lugar a outras. Se você não escrever tudo,
esquecerá. São poucas as que ficam guardadas. E, o que é pior, ela vai para
mente sintonizada ou fica pelo espaço vagando até que alguém a sintonize.
Algumas grandes idéias podem ter passado por nossas cabeças e ter até nos
animado. Mas se deixamos de anotar nunca mais nos lembraremos dela e alguém,
que anotá-la, vai colher os frutos. Também não adianta anotá-la e não fazer
nada. Porque a idéia continuou pelo espaço e se alguém a sintonizar e
executá-la antes, você já perdeu. É quando falamos: “eu também tive essa idéia,
mas não a coloquei em prática. Agora ele está rico!”
- Já passei por isso.
- Todos já passamos. Isso quando não a ignoramos e falamos: “essa idéia
alguém já deve ter tido!”. Com certeza se alguém não a teve, terá um dia.
Alguém com atitude irá colocá-la em prática.
- Óptima idéia sua. Passarei a fazer o mesmo.
- Prefira a noite e a madrugada. É quando poucas mentes estão segurando
idéias. Elas estarão todas soltas pelo ar e você terá várias opções.
- Estão todos dormindo, não é?
- Sim. Mas mesmo dormindo as idéias entram. Mas é muito difícil alguém
se lembrar de um sonho e encará-lo como idéia. E elas passam muito rápido
quando estamos dormindo. Entra idéia atrás de idéia e nada fica.
- Óptimo. Farei isso. Agora preciso ir. Já me vieram à mente algumas
idéias sobre esse tipo de negócio de venda de idéias. Preciso anotá-las.
- Idéias sobre venda de idéias? Como seria a idéia?
- Uma delas, a melhor, custa mil meticais. Quer comprá-la?
Adaptado por Noraldino nuva
Obra original (Raphael Montechiari)
http://omundomoldado.blogspot.com/o-vendedor-de-ideias.html
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