Geofagia
Geofagia é uma prática de comer substâncias terrestres (como argila),
frequentemente para melhorar uma nutrição deficiente em minerais.
Enquanto é mais frequente em sociedades rurais ou preindustriais em mulheres grávidas,
ocorre também em crianças e como um distúrbio psicológico na alimentação.
Geofagia é um tipo de distúrbio conhecido como unidade de
medida em impressão.
A geofagia parece ser mais predominante entre africanos
e seus descendentes. Um estudo do estado de Mississippi
de 1942
concluiu que
"pelo menos 25% das crianças em idade escolar habitualmente comeram
terra. Adultos, embora não observados sistematicamente, também consumiram
terra. Um número de razões foram dadas: a terra é boa para você; ajuda as
mulheres grávidas; o gosto é bom; é azeda como um limão; o gosto é melhor se
esfumaçado na chaminé; e assim por diante.
Geofagia em Moçambique
Por Salane Muchanga
“Compre,
custa um metical o funil, dois meticais o copo”: é o convite atractivo e
insistente das "mamanas" do mercado. Pouco sabem, quem vende e quem
compra, quanto essa areia fina, peneirada e sedosa, é perigosa para a saúde. O SAVANA levou amostras de terra à venda nos mercados de Maputo ao Laboratório
Nacional de Higiene Alimentos e Água. As análises detectaram contaminação com
resíduos fecais. As consequências: dor de barriga, diarreia e infecções gastrointestinais e urinárias.
Não se sabe porquê, mas de algum tempo a esta parte, a
indústria de venda e consumo de areia está a ganhar terreno na província e
cidade de Maputo. Adultos e jovens vendem e comem terra na total normalidade.
Na rua, nas paragens e em frente das escolas, os funis de papel branco cheios
de areia são tão comuns como o amendoim e a maçaroca.
Se antes comer areia era hábito entre
as mulheres grávidas, possivelmente para remediar a falta de ferro, agora
virou moda. Ou vício, porque vários consumidores entrevistados pelo SAVANA não conseguem parar de comer
terra.
“Via a minha irmã mais velha a
consumir, experimentei e gostei”, diz João Julião, 16 anos, um dos poucos
homens que admitem comer areia. Há três anos que consome, e não pouco: por dia
acaba três a quatro funis.
Julião estava a comprar areia, a dois
meticais o funil, numa barraca atendida por duas meninas no mercado Compone,
na cidade de Maputo. “No princípio, tive dificuldades, doía-me o estômago,
tinha dificuldades de defecar, mas já estou viciado”, contou.
Além dos parasitas intestinais, a
ingestão de areia pode provocar perfuração ou obstrução do intestino, úlceras
no estômago, e abrasão do esmalte dos dentes. Pode estar contaminada com elementos
tóxicos como chumbo ou mercúrio.
“As mulheres grávidas consumidoras de
areia podem ficar anémicas e dar a luz bebés de baixo peso”, explica Alice
Magaia de Abreu, Médica Chefe da cidade de Maputo.
A anemia consiste na falta de glóbulos
vermelhos no sangue, e o ferro é elemento essencial para produzi-los. Porém,
algum tipo de terra, como o kaolim, usada na fabricação de cerâmica, impede a
absorção de ferro no corpo humano.
Em entrevista ao SAVANA, Alice apontou que a ingestão de areia é um dos problemas
mais sérios para a saúde das mulheres.
Enquanto a prática de comer areia
estende-se, em paralelo estende-se o problema de saúde pública.
“O Ministério da Saúde reprova a venda
de areia”, diz Leonardo Chavane, porta-voz da instituição. “Essa areia é terra
onde há possibilidade de se encontrar quase todo o tipo de agentes infecciosos”.
Segundo Chavane, a pesar de estar
cientes de tratar-se de “um perigo para a saúde pública”, as autoridades
sanitárias ainda não tomaram alguma medida para banir ou controlar a venda de
areia.
“Este é um processo que envolve também
outras instituições e deve-se também considerar a questão de sobrevivência das
pessoas e outros aspectos”, disse Chavane.
Não é de estranhar que a areia possa
trazer complicações a saúde. Vai directamente à boca do consumidor sem ser
cozinhada a através de um processo de produção que não observa nenhum cuidado
de higiene. (ver caixa).
O
enigma deste menú
É difícil compreender o atractivo da
areia como alimento.
Algumas mulheres grávidas apontam que
“é para combater a prisão de ventre e prevenir problemas digestivos”, explica
Suzana Almeida, de 27 anos.
“Como areia porque é bom…”, é o que diz
a maioria.
Chavane explicou que em alguns casos,
consumir areia resulta do distúrbio chamado
"pica", uma necessidade compulsiva de comer produtos não
nutritivos. (ver artigo em baixo)
Noutros casos, comer areia é típico “em
grávidas, porque elas perdem ferro durante a gravidez ou e durante a menstruação”,
observou.
Cremildo Bahule, sociólogo no Centro de
Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, diz que a situação é
preocupante especialmente em Maputo, e não só.
“Na Beira, vende-se a mesma areia de
Maputo, levada de transporte público de passageiros”, contou.
Segundo Bahule, os sociólogos não
conseguem perceber porquê a mulher, “ao invés de comprar uma maçã ou outro
alimento, prefere gastar dinheiro na areia. Talvez os médicos possam encontrar
explicação. Algumas grávidas consomem também tijolo, sabão”.
Ele entende que o consumo de terra pode
ser uma forma de encher o estômago e matar a fome.
Há uns seis anos, contou, as grávidas
preferiam a areia vermelha por baixo do alcatrão nas estradas. Cavavam, deixando
a estrada esburacada, o que revoltava a Administração Nacional de Estradas
(ANE). Mas ultimamente, consome-se outro tipo, de outras cores, de outra
proveniência.
A prática de comer areia, ou geofagia,
(geo-terra + fagia–comer) também ocorre
noutras regiões do mundo como um hábito culturalmente sancionado. O que parece diferente em Moçambique é que
está a virar mania, adição, compulsão.
Isabel, 30 anos, é mãe de um menino,
come areia há quase dois anos. “Consumo areia, não para curar alguma doença ou
matar a fome, pelo contrário, a areia faz mal”, conta esta vizinha do bairro
Jardim, na cidade de Maputo.
Frequentemente sente dores fortes de
estômago. Mesmo assim, “quando amanhece, antes mesmo do pequeno-almoço, tenho
que comer areia e chego a acabar cinco funis destes por dia”, disse Isabel.
Por
enquanto, se não houver campanhas educativas, a areia há-de ficar no
"menú" diário de muitos consumidores.
Como por capricho
N. Aida, 22 anos, estudante de 12ª
classe, também do bairro Jardim, disse não saber o que a move a comer areia.
“A areia não tem gosto. Consumo por
capricho”, disse.
Aida sente mais vontade de comer terra
logo depois da refeição, “nem que seja apenas para sentir o cheiro de modo a
estar bem comigo mesma”.
Até no ano passado a jovem não consumia
areia, mas depois de experimentar, “não consigo abandonar. Acho que já estou
viciada”.
Para Aida, o que incentiva os jovens a
consumir terra é a disponibilidade do produto e o baixo preço.
“ Em qualquer esquina vende-se areia e
é barata. Por mais que eu queira resistir não consigo. Sempre caio na
tentação”, explica Aida.
Todavia, Aida consome terra mesmo
passando mal depois. “A areia faz mal. Quando consumo os dentes ficam
arrepiados e sinto irritação na garganta como se tivesse gripe”, observa
Aida. “Pior é quando a pessoa tem cólicas
menstruais e consome areia porque agrava
a situação, podendo até mesmo parar no hospital”.
“Já tentei abandonar a prática chupando
rebuçados ou esmagando bolachas para atenuar a vontade de ingerir areia, mas
não consigo. É como se fosse um vício de cigarros”, lamenta. “Depois de ingerir
areia sinto que o meu problema de asma piora. É quando arrependo-me de ter
consumido”.
Cadeia de lucro e micróbios
A areia é extraída em Marracuene, a 30
quilómetros da capital, e com perigo para os trabalhadores, pois já houve
desabamentos que causaram mortes. As vendedeiras vão de chapa a sua procura e
trazem em sacos de 50 quilos a Maputo.
Os “gaigais”, ou carregadores, recebem
20 meticais para transportar cada saco da paragem do chapa até a casa da
vendedeira. Um dos “gaigais”, que não quis se identificar, diz transportar
entre cinco e dez sacos de areia por dia.
De diferentes tonalidades - branca,
amarela clara e escura - a areia é colocada no chão, no quintal ou na rua, em
sacos abertos para secar durante um ou dois dias. Nos dias chuvosos é aquecida
em panelas.
Depois de seca, a areia é pilada por
jovens e crianças descalços, sem lavar as mãos. Os vizinhos passam por acima,
assim como os cães, gatos, as ratas e baratas.
Logo a areia é peneirada para retirar a
mais grossa. Para dar gosto, coloca-se sal de cozinha e segundo algumas fontes, sabão ou
detergentes.
No mercado, as vendedeiras de areia
colocam o produto em recipientes abertos e manipulam-na sem luvas.
Telma Sitoe, mãe de oito filhos, vende
areia no mercado da Malanga.
“É vantajoso comercializar areia porque é
rentável, não apodrece, os ratos não consomem, e muito menos as crianças em
casa”, explica.
Rodeada de bacias cheias de areia,
Telma explica que compra o saco de 50 quilogramas de areia em Marracuene a 110
meticais, prepara, e vende a 230 meticais.
Com o negócio, “consigo aguentar com as
despesas de casa porque o meu marido está desempregado”.
Contudo,
Telma reclama do aumento no custo do transporte e do número crescente de
vendedeiras de areia na cidade.“Dizem que este negócio mata e que devemos
procurar fazer outros mas já experimentei vender tomate e cebola, e não deu
certo”.
Pica e Geofagia
Pica
é uma condição rara, entre seres humanos, de ter apetite por coisas ou
substâncias não alimentares e não nutritivas como terra, giz, carvão, tecido ou
moedas.
Para que se considere pica, o apetite deve persistir pelo
menos por um mês.
A causa de pica há muito que é procurada com varias perspectivas. As teorias
nutricionais são as mais citadas, em geral atribuindo à pica a deficiências minerais específicas, como ferro e zinco.
Para além de se verificar em populações
de África, pica nota-se também em
outras partes do mundo como Estados Unidos, Brasil, Arábia Saudita e China.
A geofagia
(comer terra) é uma prática culturalmente sancionada, e portanto não é
considerada um distúrbio.
Está documentado desde a pré-historia,
e a época dos faraós do Egipto. É um hábito com muitas variantes em sua prática
e com diversos significados: nutricionais, psicológicos/psiquiátricos,
terapêuticos, antropológicos, místico/religiosos e antropológicos.
Na selva amazónica, por exemplo, por
não ser fácil se conseguir sal, grupos indígenas realizavam uma peregrinação
anual em busca da terra salgada. No Peru e Escandinávia a argila é material
comestível. Em algumas regiões da África a prática da geofagia está associada a crença de que durante o primeiro
trimestre da gestação diminui as náuseas e estimula a secreção láctea quando o
bebe nascer.
A causa básica da geofagia é desconhecida, sendo que a deficiência de ferro no
consumidor é a mais divulgada. Outros estudos relacionam a geofagia com a
deficiência de zinco ou com as deficiências nutricionais múltiplas.
O problema coloca-se quando as pessoas
consomem terra como se fosse moda, sem prestar atenção às condições nada
higiénicas do processo de preparação.
Rastos de fezes na areia
A análise da amostra de areia levada
pelo SAVANA ao Laboratório Nacional de Higiene de Alimentos e Águas do MISAU
indicou a quantidade de bactérias presentes:
l 23 coliformes totais por mililitro
(/ml) de amostra. 9.1/ml coliformes
fecais
l E menos de três/ml de Eschirechia coli
Coliformes
totais são bactérias.
Coliformes
fecais são outras bactérias que vivem no
intestino dos animais de sangue quente. Elas por si só não representam um
perigo para a saúde mas indicam a presença de outros microrganismos perigosos.
Eschirechia coli
(E.coli) é uma das bactérias mais
comuns, e a causa mais frequente de toxinfecção alimentar e infecção urinária.
A sua presença em água e alimentos indica contaminação com fezes humanas.
“Isto
indica que o local onde a terra é recolhida pode estar contaminado de fezes e
quando as pessoas consomem esta areia levam as fezes ao estômago”, alerta
Leonardo Chavane, porta-voz do MISAU.
SAVANA – 11.06.2010
NOTA:
Quem não se lembra de ver, no norte de
Moçambique, indivíduos com a barriga dilatada? Eram os comedores de areia. Mas
não o faziam por moda ou guloseima. Era uma necessidade física. Se se
aprofundar a origem desta “moda” devem estar macuas metidos.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
Refêrencias bilbiográficas
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/06/areia-que-d%C3%A1-dinheiro-e-doen%C3%A7as.html
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