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terça-feira, 12 de agosto de 2014

Geofagia

Geofagia
Geofagia é uma prática de comer substâncias terrestres (como argila), frequentemente para melhorar uma nutrição deficiente em minerais.
Enquanto é mais frequente em sociedades rurais ou preindustriais em mulheres grávidas, ocorre também em crianças e como um distúrbio psicológico na alimentação. Geofagia é um tipo de distúrbio conhecido como unidade de medida em impressão.
A geofagia parece ser mais predominante entre africanos e seus descendentes. Um estudo do estado de Mississippi de 1942 concluiu que
"pelo menos 25% das crianças em idade escolar habitualmente comeram terra. Adultos, embora não observados sistematicamente, também consumiram terra. Um número de razões foram dadas: a terra é boa para você; ajuda as mulheres grávidas; o gosto é bom; é azeda como um limão; o gosto é melhor se esfumaçado na chaminé; e assim por diante.
Geofagia em Moçambique
Por Salane Muchanga
“Compre, custa um metical o funil, dois meticais o copo”: é o convite atractivo e insistente das "mamanas" do mercado. Pouco sabem, quem vende e quem compra, quanto essa areia fina, peneirada e sedosa, é perigosa para a saúde. O SAVANA levou amostras de terra à venda nos mercados de Maputo ao Laboratório Nacional de Higiene Alimentos e Água. As análises detecta­ram contaminação com resíduos fecais. As consequências: dor de barriga, diarreia e infecções  gastrointestinais e urinárias.
 
Não se sabe  porquê, mas de algum tempo a esta parte, a indústria de venda e consumo de areia está a ganhar terreno na província e cidade de Maputo. Adultos e jovens vendem e comem terra na total nor­malidade. Na rua, nas paragens e em frente das escolas, os funis de papel branco cheios de areia são tão comuns como o amendoim e a maçaroca.
Se antes comer areia era hábito entre as mulheres grá­vidas, possivelmente para reme­diar a falta de ferro, agora virou moda. Ou vício, porque vários consumidores entrevistados pelo SAVANA não conseguem parar de comer terra.
“Via a minha irmã mais velha a consumir, experimentei e gostei”, diz João Julião, 16 anos, um dos poucos homens que admitem comer areia. Há três anos que consome, e não pouco: por dia acaba três a quatro funis.
Julião estava a comprar areia, a dois meticais o funil, numa barraca atendida por duas meninas no mercado Com­pone, na cidade de Maputo. “No princípio, tive dificul­dades, doía-me o estômago, tinha dificuldades de defecar, mas já estou viciado”, contou. 
Além dos parasitas intes­tinais, a ingestão de areia pode provocar perfuração ou obstrução do intestino, úlceras no estômago, e abrasão do esmalte dos dentes. Pode estar contaminada com ele­mentos tóxicos como chumbo ou mercúrio.
“As mulheres grávidas consumidoras de areia podem ficar anémicas e dar a luz bebés de baixo peso”, explica Alice Magaia de Abreu, Mé­dica Chefe da cidade de Maputo.
A anemia consiste na falta de glóbulos vermelhos no sangue, e o ferro é elemento essencial para produzi-los. Porém, algum tipo de terra, como o kaolim, usada na fabricação de cerâmica, impe­de a absorção de ferro no corpo humano.
Em entrevista ao SAVANA, Alice apontou que a ingestão de areia é um dos problemas mais sérios para a saúde das mulheres.
Enquanto a prática de comer areia estende-se, em paralelo estende-se o pro­blema de saúde pública.
“O Ministério da Saúde reprova a venda de areia”, diz Leonardo Chavane, porta-voz da instituição. “Essa areia é terra onde há possibilidade de se encontrar quase todo o tipo de agentes infecciosos”. 
Segundo Chavane, a pesar de estar cientes de tratar-se de “um perigo para a saúde pública”, as autoridades sanitárias ainda não tomaram alguma medida para banir ou controlar a venda de areia.
“Este é um processo que envolve também outras insti­tuições e deve-se também considerar a questão de sobrevivência das pessoas e outros aspectos”, disse Chavane.
Não é de estranhar que a areia possa trazer compli­cações a saúde. Vai directa­mente à boca do consumidor sem ser cozinhada a através de um processo de produção que não observa nenhum cuidado de higiene. (ver caixa).
 
O enigma deste menú
É difícil compreender o atractivo da areia como ali­mento.
Algumas mulheres grávidas apontam que “é para combater a prisão de ventre e prevenir problemas digestivos”, explica Suzana Almeida, de 27 anos.
“Como areia porque é bom…”, é o que diz a maioria.
Chavane explicou que em alguns casos, consumir areia resulta do distúrbio chamado "pica", uma necessidade com­pulsiva de comer produtos não nutritivos. (ver artigo em baixo)
Noutros casos, comer areia é típico “em grávidas, porque elas perdem ferro durante a gravidez ou e durante a mens­truação”, observou.
Cremildo Bahule, sociólogo no Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, diz que a situação é preocupante especialmente em Maputo, e não só.
“Na Beira, vende-se a mesma areia de Maputo, levada de transporte público de pas­sageiros”, contou.
Segundo Bahule, os soció­logos não conseguem perceber porquê a mulher, “ao invés de comprar uma maçã ou outro alimento, prefere gastar dinheiro na areia. Talvez os médicos possam encontrar explicação. Algumas grávidas consomem também tijolo, sabão”.
Ele entende que o consumo de terra pode ser uma forma de encher o estômago e matar a fome.
Há uns seis anos, contou, as grávidas preferiam a areia vermelha por baixo do alcatrão nas estradas. Cava­vam, dei­xando a estrada esbu­racada, o que revoltava a Administração Nacional de Estradas (ANE). Mas ultima­mente, consome-se outro tipo, de outras cores, de outra proveniência.
A prática de comer areia, ou geofagia, (geo-terra + fagia–comer)  também ocorre noutras regiões do mundo como um hábito culturalmente sancio­nado.  O que parece diferente em Moçambique é que está a virar mania, adição, com­pulsão.
Isabel, 30 anos, é mãe de um menino, come areia há quase dois anos. “Consumo areia, não para curar alguma doença ou matar a fome, pelo contrário, a areia faz mal”, conta esta vizinha do bairro Jardim, na cidade de Maputo.
Frequentemente sente do­res fortes de estômago. Mesmo assim, “quando amanhece, antes mesmo do pequeno-almoço, tenho que comer areia e chego a acabar cinco funis destes por dia”, disse Isabel.
Por enquanto, se não houver campanhas educa­tivas, a areia há-de ficar no "menú" diário de muitos consu­midores.
 
Como por capricho
N. Aida, 22 anos, estudante de 12ª classe, também do bairro Jardim, disse não saber o que a move a comer areia.
“A areia não tem gosto. Consumo por capricho”, disse.
Aida sente mais vontade de comer terra logo depois da refeição, “nem que seja apenas para sentir o cheiro de modo a estar bem comigo mesma”.
Até no ano passado a jovem não consumia areia, mas depois de experimentar, “não consigo abandonar. Acho que já estou viciada”.
Para Aida, o que incentiva os jovens a consumir terra é a disponibilidade do produto e o baixo preço.
“ Em qualquer esquina vende-se areia e é barata. Por mais que eu queira resistir não consigo. Sempre caio na tentação”, explica Aida.
Todavia, Aida consome terra mesmo passando mal depois. “A areia faz mal. Quando consumo os dentes ficam arrepiados e sinto irritação na garganta como se tivesse gripe”, observa Aida.  “Pior é quando a pessoa tem cólicas menstruais e consome areia porque  agrava a situação, podendo até mesmo parar no hospital”.
“Já tentei abandonar a prática chupando rebuçados ou esmagando bolachas para atenuar a vontade de ingerir areia, mas não consigo. É como se fosse um vício de cigarros”, lamenta. “Depois de ingerir areia sinto que o meu problema de asma piora. É quando arrependo-me de ter consumido”.
 
Cadeia de lucro e micróbios
A areia é extraída em Marracuene, a 30 quilómetros da capital, e com perigo para os trabalhadores, pois já houve desabamentos que causaram mortes. As vendedeiras vão de chapa a sua procura e trazem em sacos de 50 quilos a Maputo.
Os “gaigais”, ou carregadores, recebem 20 meticais para transportar cada saco da paragem do chapa até a casa da vendedeira. Um dos “gaigais”, que não quis se identificar, diz transportar entre cinco e dez sacos de areia por dia.  
De diferentes tonalidades - branca, amarela clara e escura - a areia é colocada no chão, no quintal ou na rua, em sacos abertos para secar durante um ou dois dias. Nos dias chuvosos é aquecida em panelas.
Depois de seca, a areia é pilada por jovens e crianças descalços, sem lavar as mãos. Os vizinhos passam por acima, assim como os cães, gatos, as ratas e baratas.
Logo a areia é peneirada para retirar a mais grossa. Para dar gosto, coloca-se sal de cozinha  e segundo algumas fontes, sabão ou detergentes.
No mercado, as vendedeiras de areia colocam o produto em recipientes abertos e manipulam-na sem luvas.
Telma Sitoe, mãe de oito filhos, vende areia no mercado da Malanga.
 “É vantajoso comercializar areia porque é rentável, não apodrece, os ratos não consomem, e muito menos as crianças em casa”, explica.
Rodeada de bacias cheias de areia, Telma explica que compra o saco de 50 quilogramas de areia em Marracuene a 110 meticais, prepara, e vende a 230 meticais.
Com o negócio, “consigo aguentar com as despesas de casa porque o meu marido está desempregado”.
Contudo, Telma reclama do aumento no custo do transporte e do número crescente de vendedeiras de areia na cidade.“Dizem que este negócio mata e que devemos procurar fazer outros mas já experimentei vender tomate e cebola, e não deu certo”.
 
Pica e Geofagia
Pica é uma condição rara, entre seres humanos, de ter apetite por coisas ou substâncias não alimentares e não nutritivas como terra, giz, carvão, tecido ou moedas.
Para que se considere pica, o apetite deve persistir pelo menos por um mês. 
A causa de pica há muito que é procurada com varias perspectivas. As teorias nutricionais são as mais citadas, em geral atribuindo à pica a deficiências minerais específicas, como ferro e zinco.
Para além de se verificar em populações de África, pica nota-se também em outras partes do mundo como Estados Unidos, Brasil, Arábia Saudita e China.
A geofagia (comer terra) é uma prática culturalmente sancionada, e portanto não é considerada um distúrbio.  
Está documentado desde a pré-historia, e a época dos faraós do Egipto. É um hábito com muitas variantes em sua prática e com diversos significados: nutricionais, psicológicos/psiquiátricos, terapêuticos, antropológicos, místico/religiosos e antropológicos.
Na selva amazónica, por exemplo, por não ser fácil se conseguir sal, grupos indígenas realizavam uma peregrinação anual em busca da terra salgada. No Peru e Escandinávia a argila é material comestível. Em algumas regiões da África a prática da geofagia está associada a crença de que durante o primeiro trimestre da gestação diminui as náuseas e estimula a secreção láctea quando o bebe nascer.
A causa básica da geofagia é desconhecida, sendo que a deficiência de ferro no consumidor é a mais divulgada. Outros estudos relacionam a geofagia com a deficiência de zinco ou com as deficiências nutricionais múltiplas.
O problema coloca-se quando as pessoas consomem terra como se fosse moda, sem prestar atenção às condições nada higiénicas do processo de preparação.
 
Rastos de fezes na areia
A análise da amostra de areia levada pelo SAVANA ao Laboratório Nacional de Higiene de Alimentos e Águas do MISAU indicou a quantidade de bactérias presentes:
l         23 coliformes totais por mililitro (/ml) de amostra.        9.1/ml coliformes fecais
l         E menos de três/ml de Eschirechia coli
Coliformes totais são bactérias.
Coliformes fecais são outras bactérias que vivem no intestino dos animais de sangue quente. Elas por si só não representam um perigo para a saúde mas indicam a presença de outros microrganismos perigosos.
 Eschirechia coli (E.coli) é uma das bactérias mais comuns, e a causa mais frequente de toxinfecção alimentar e infecção urinária. A sua presença em água e alimentos indica contaminação com fezes humanas.
“Isto indica que o local onde a terra é recolhida pode estar contaminado de fezes e quando as pessoas consomem esta areia levam as fezes ao estômago”, alerta Leonardo Chavane, porta-voz do MISAU.
SAVANA – 11.06.2010
NOTA:
Quem não se lembra de ver, no norte de Moçambique, indivíduos com a barriga dilatada? Eram os comedores de areia. Mas não o faziam por moda ou guloseima. Era uma necessidade física. Se se aprofundar a origem desta “moda” devem estar macuas metidos.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
 
Refêrencias bilbiográficas
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/06/areia-que-d%C3%A1-dinheiro-e-doen%C3%A7as.html

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